COVID-19, um indicador de nossa resiliência produtiva. Quais soluções para implantar agora e se preparar para o amanhã?

Por Natalia Kurimori e Cyrille Bellier, Utopies Brasil*
21
agosto, 2020

Na busca por eficiência e rentabilidade, as cadeias globais são caracterizadas por fragmentação geográfica, concentração de elos produtivos em localizações específicas e na lógica do just-in-time – mínimo de estoques de insumos e produtos intermediários.

​Ao interromper abruptamente as atividades de produção e transporte em grande parte do mundo, a atual crise sanitária ampliou de maneira sem precedentes os riscos de escassez inerentes ao funcionamento das cadeias globais implantadas nas décadas recentes. Estamos em um momento de nos questionar sobre a capacidade de nossos sistemas de produção agrícolas e industriais de enfrentar riscos naturais ou climáticos, resistir, absorver o choque, reorganizar e preservar sua função fundamental, inclusive para fortalecê-la. O Covid-19 é e será um indicador de nossa resiliência produtiva.

​Nas últimas semanas, testemunhamos uma realocação rápida de indústrias para fabricação de bens essenciais à saúde como álcool em gel, máscaras e respiradores artificiais. Nos próximos meses, muitos setores podem estar em tensão ou em ruptura em todo o mundo, exigindo um reajuste da oferta e demanda. Diante dos efeitos estruturais dessa crise e dos perigos potenciais que enfrentamos, como os efeitos das mudanças climáticas (tempestades, ondas de calor e secas, inundações, disponibilidade da água etc.), devemos ver o início de estratégias de resiliência produtiva que mudarão o tecido econômico no futuro próximo.

O que queremos dizer com resiliência produtiva?

Na natureza, os ecossistemas resilientes se distinguem pelo fato de serem mais diversificados e oferecerem mais complementaridades de funções. Tome as teias de aranha como exemplo - poucas delas estão livres de defeitos, mas quebrar um fio nunca comprometerá a rede inteira e raramente uma aranha terá que começar de novo. Diante de um perigo, quanto mais a economia é diversificada e resiliente, mais ágil é a sua capacidade de responder a um choque encontrando novas saídas e adaptando suas necessidades locais.

O teste de resiliência das economias

Avaliamos o nível de resiliência produtiva de diferentes países. O índice de resiliência mede, portanto, a capacidade de um território de cobrir uma determinada produção diante de uma perturbação excepcional. Uma pontuação máxima de resiliência de 100% significa que um território é capaz de manter a produção de qualquer bem em uma situação de crise.

​O cálculo foi realizado com base na parcela (em %) dos 1242 produtos comercializados internacionalmente, listados pela Organização Mundial das Alfândegas, que cada país é capaz de produzir rapidamente e em quantidades suficientes. Essa capacidade pode ocorrer porque o país já é especializado na produção do bem ou porque é especializado em dois produtos que tenham parentesco com o bem que se busca produzir (o que a torna capaz de dar um "salto produtivo").

Quais são as principais lições a serem tiradas desse teste de resiliência?

Nenhum país do mundo excede 50% de resiliência produtiva, incluindo a China (nº 1 empatado com a Itália, 49,3%). Apenas 16% dos países têm um índice de resiliência acima de 30%. Metade dos países tem um índice de resiliência inferior a 15%, cerca de quarenta estão abaixo de 5%. Mais de 75% dos países têm menos de 10% de resiliência em produtos médicos ou de saúde... A resiliência produtiva é uma questão humanitária.

​O Brasil ocupa a 72ª posição mundial com uma resiliência produtiva de 21,7%. O nível de resiliência de nossa economia é suficiente? Em termos concretos, nosso tecido produtivo é incapaz de produzir quase 80% dos bens que fazem parte, direta ou indiretamente, da cadeia de valor do consumo brasileiro e alguns deles podem se mostrar prioritários, dependendo da sua natureza e da demanda local. Se não existe um limiar "bom", podemos pensar que um sistema resiliente é capaz de manter a produção de uma parcela significativa de bens, provavelmente acima de 2/3, muito além dos níveis brasileiros.

O índice de resiliência do Brasil, como o de diversos países, pode ocultar grandes disparidades setoriais. Atingimos um nível de resiliência de quase 50% em produtos alimentícios industrializados e bebidas e passamos de 40% nos artigos derivados de madeira.

Quando são analisados os setores de produtos têxteis e calçados, o Brasil fica no patamar de apenas 5% de resiliência. Apesar de contar com bons polos produtivos, como o Vale dos Sinos do RS e Vale do Itajaí em SC e empregar mais de 1,5 milhões de pessoas diretamente em todo país, ainda existe uma grande dependência por matéria prima proveniente de outros países, como a China. Também são observadas diferenças significativas entre os Estados brasileiros: mais de 30 pontos separam a região com maior pontuação de resiliência (Santa Catarina - 36,7%) daquela com a menor pontuação (Roraima - 6,1%).

Existe uma necessidade urgente de implantar soluções de crise que, muito provavelmente, conseguirão gerar mais efeitos do que os longos debates sobre a globalização. E se queremos ecologia no próximo mundo, também é preciso mostrar como ela pode ser uma ferramenta para resiliência e recuperação econômica.

Mesmo que ainda seja difícil afirmar, vários indicadores sugerem que a crise econômica se estenderá por um longo período de tempo e afetará fortemente as cadeias globais, tanto para suprimentos quanto para oportunidades de negócios: restrições à exportação, tensões sobre a logística ou a livre circulação de trabalhadores, impactos nos preços mundiais, queda na demanda de determinados produtos, efeitos dominó, tensões sociais, medidas protecionistas, tensões diplomáticas ou blocos econômicos regionais rachados, etc. Todos os setores produtivos estão sujeitos a efeitos e impactos negativos.

Não há dúvida de que as empresas procurarão se reorganizar. No entanto, poucas delas anteciparão tais situações com um plano de resiliência, para a sua própria cadeia – desde a diversificação de canais de venda como a produção local de insumos importados. Poucos sabem exatamente como garantir um salto produtivo quando necessário ou estabelecimento de parcerias em caso de escassez. Poucas indústrias iniciaram sinergias locais e procuraram criar localmente um polo produtivo que anteriormente era global. Além disso, também há um grande número de produtos raros ou técnicos para os quais existem poucas ou nenhuma solução local, uma espécie de "ponto 0" de resiliência.

Devemos inserir soluções produtivas em nossos territórios, diversificando nossa economia, fomentar polos de produção local ou hiper-local em complemento, ou até em redundância com a cadeia globalizada. A solução passa por potencializar os lugares de produção clássicos e aproveitar as inovações (robotização, automação, digital) para que estas soluções se tornem mais acessíveis e rentáveis.

Estas soluções chamadas de plug and play, consistem em unidades produtivas, de pequenos formatos e modulares (muitas vezes até em containers), podendo ser móveis e utilizando novas tecnologias digitais. Funcionam em circuito curtos para serem agregadas rapidamente em uma fábrica, uma fazenda, uma loja, um hotel, um hospital, em uma rua, uma área industrial ou rural.

Muitas empresas estudam faz alguns anos estas soluções operacionais que requerem investimentos limitados: micro soluções de armazenamento, micro unidades de valorização de resíduos de restaurantes ou supermercados, microprodução de verduras em containers nas cidades, micro fábricas de transformação alimentar, micro abatedouros móveis, speedfactories para personalizar os produtos, microunidades de produção industrial (química, plásticos, eletrônico...), micro fábricas robóticas, micro fábricas de blocos de concerto, linhas de embalagens automatizadas, soluções de reciclagem e moedor industrial vindo se “plugando” nos centros de produção, etc.

E se a COVID-19 e suas consequências nas cadeias de suprimento for o ensejo para desenvolver as qualidades e soluções que poderiam amanhã nos salvar de muitas outras crises, inclusive climática? O que importa não é a defesa de um ou outro modelo econômico, mas o trabalho de resiliência produtiva que nos impõe agilidade e a necessidade de pensar o amanhã de forma pragmática na escala de nossos territórios. A resposta para essa pergunta é sem dúvida uma questão que deve alimentar reflexões e ações de atores como Instituições financeiras, Federações de Indústrias, e claro, empresas que dependem de cadeias internacionais.

* Todos os dados provem do estudo internacional de resiliência produtiva realizada pelo polo “Ancoragem local e estratégias territoriais” da Utopies França, sob direção da Elisabeth Laville e Arnaud Florentin

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